Sobre outros assuntos...

Estava conversando com Carlos Castillo sobre blogs e diários - antigamente o diário era fechado e tinha uma chave. Hoje o blog (alguns blogs) cumprem a função de um diário e é público!! Muito louco!!


Esse link conta a história do ônibus: http://www.historiadetudo.com/onibus.html - é interessante... estarei novamente realizando a intervenção ônibus... vou compartilhar...

Começou sexta-feira passada um grupo de estudos com algumas meninas do Radar 1 - é impressionante que quando criamos espaços de compartilhamento de nossas idéias colocamos o nosso pr´prio discurso em questão - em estado de pergunta. Ás vezes precisamos ouvir nossa própria voz quando contamos algo para alguem... e é legal quando interesses em focos diversos conversam sobre uma leitura em comum!!! Hoje (02/11/2012) teve a continuidade - e acho que está sendo um passo importante!  



Em conversa com uma amiga hoje, sobre improvisação em dança, começamos a destrinchar coisas relacionadas à composição e como esta pode ocorrer nas resoluções internas de um corpo que dança... como manter um compartilhamento com quem assiste das decisões que - enquanto se dança - precisam ser tomadas? Falamos então sobre escuta/leitura/proposição como um processo que ocorre durante a cena - um modo de saber olhar para o que está acontecendo para além de reconhecer no corpo do outro, repetições e recorrências motoras. Assuntos que pretendo destrinchar depois!
O Radar 1 - Grupo de Improvisação em Dança (http://radarum.wordpress.com/) esteve no Colégio Ruy Barbosa, estudando o espaço da escola, num dos dias de encontro - sábado pela manhã - dia 06 de outubro de 2012... um laboratório do espaço frente a lembranças das dançarinas diante de suas histórias de escola. Chegamos a conclusão de que a escola parece um presídio... aconteceram muitas coisas interessantes nesse encontro - pelo menos para mim, que propuz o workshop (o mesmo que ministrei em Portugal na Conferência Corpos i(m)perfeitos. Após improvisos sobre recortes e superfícies gerando lembranças, materiais foram gerados e um conversa ao final super enriquecedora. Rute Mascarenhas, professora dessa escola já fez um laboratório com seus próprios alunos editando um vídeo com eles sobre esse mesmo espaço. Chegamos a conclusão dde que precisamos voltar a nos assistir, saber como improvisamos, quebrar padrões de improviso, etc.  



TEXTO PRODUZIDO DURANTE O PROCESSO COREOGRÁFICO DO ESPETÁCULO DE TEATRO "O SEGREDO DA ARCA DE TRANCOSO" - 2012
GRUPO VILAVOX



UM TRAJETO INTENSO DE CRIAÇÃO E CONVÍVIO


Líria Morays

Esse texto apresenta três momentos – o primeiro fala especificamente da minha experiência de preparadora corporal e coreógrafa do vilavox mais especificamente nesse último espetáculo, o segundo relata algumas impressões sobre o convívio com o grupo em Frankfurt e o terceiro comenta algumas adaptações do espetáculo no espaço do festival Summewerft. Num formato de relato, há questões em aberto e comentários soltos sem a pretensão de teorizar algo ou chegar a alguma conclusão e sim compartilhar uma determinada experiência – que nesse caso híper intensa junto ao grupo de teatro Vilavox.

SOBRE ESTAR COMO COREÓGRAFA E PREPARADORA CORPORAL DO VILAVOX

Enquanto preparadora corporal e coreógrafa acompanhei quatro momentos do grupo Vilavox– a montagem do espetáculo “Trilhas do Vila” (2002)– no qual fiz uma pequena coreografia e a preparação corporal a partir da metade da montagem; a montagem de “Almanaque da Lua” (2003) – sob a direção de Gordo Neto; a montagem de “Labirintos” (2008) – sob a direção de Patrick Campbell e agora mais recentemente “O segredo da Arca de trancoso” (2012) – sob a direção de Claudio Machado. A preparação de corpo se modifica em cada um desses espetáculos, bem como a direção coreográfica, já que a metodologia de cada diretor e a sua concepção estética pede direcionamentos específicos para os atores. Aqui, recorto com maior ênfase a última montagem por se tratar de um conjunto de novas experiências que esse grupo – o Vilavox – atravessa desde o modo de gestão até a estética da cena. Considerando também que a estréia desse espetáculo em específico ocorreu fora do Brasil – na Alemanha no Summerwerft Theater Festival. O espetáculo “O segredo da arca de trancoso” é o primeiro do grupo a ser apresentado após a saída do teatro Vila Velha e a ocupação do Espaço Cultural Casa Preta, é o primeiro espetáculo a ser apresentado na rua – fora da caixa cênica, é o primeiro espetáculo do grupo a ser apresentado fora do país, é o primeiro espetáculo a ser montado a partir de um texto que não foi criado pelo próprio grupo, é o primeiro espetáculo em que o grupo atua com máscaras. Dessa forma, esses atores também  nunca estiveram na rua com um espetáculo que necessita se adaptar a cada modificação do espaço. Esses últimos dados sobre a atuação na rua me interessam no sentido de criar necessidades específicas seja para a preparação dos atores, seja para a montagem coreográfica. Lidar com a rua e seus acontecimentos em paralelo ao espetáculo como também a expansão do corpo e voz em espaços diferenciados e ainda assim manter um roteiro preciso de um espetáculo de teatro requer um tipo de atenção específica que coordena ações (saber cantar, atuar, realizar as coreografias, tocar instrumentos, etc.) e além dessas ações exige uma autonomia sobre estas por conta dos imprevistos que a rua apresenta enquanto característica.

Flashback - Antes da viagem a Frankfurt, para além de uma preparação corporal, o convívio com o grupo (escrito após ensaio)

Ensaiar é preciso, viver não é preciso! Assim estão os ensaios do grupo vilavox em julho de 2012. Há muitas preocupações, sejam elas de ordem artística, ou mesmo de ordem da produção técnica e financeira do espetáculo. As necessidades superfaturaram o orçamento... a viagem a seguir pós-estréia é ainda um investimento para o grupo. O frio na espinha pré-estréia acontece embaixo de uma chuva que interrompe os ensaios fazendo os atores abandonarem o terreno “ao ar livre” para esperar a chuva, após cobrir o cenário com lonas pesadas. Estamos todos com sensações misturadas (entusiasmados, ansiosos, cansados...).

O Segredo da Arca de Trancoso apresenta aos atores o desafio de interpretar com máscaras um espetáculo infanto-juvenil, mesmo que não seja exatamente um espetáculo de máscaras... o desafio de cantar todo o espetáculo ao ar livre, apesar de não ser exatamente um musical, o desafio de dançar em deslocamento e utilizar o corpo em algumas passagens interagindo com elementos do espaço físico, mesmo não se tratando de um espetáculo de dança. Há uma coordenação motora específica no corpo inserido nesse espetáculo que ao atender indicações de diretores específicos (de música, de dança, de interpretação), precisa estar atento na cena como um todo. Entre a equipe de direção, há uma tentativa de lidar cooperativamente com as cenas  e uma expectativa de que os atores contribuam de forma colaborativa com a concepção que se ajusta em tempo presente do ensaio.

Para mim, especificamente que estou na direção de corpo (coreografias, movimento de cenas, preparação de corpo, etc.), percebo que entre os atores há considerações de apoio para atuação que não se encontram no corpo, apesar deste ser o lugar onde esses apoios se configuram, ou seja, o que aparece em primeiro lugar como necessidade de lapidação, está no texto escrito, está num entendimento musical, está numa lógica de cena, ou mesmo naquilo que se veste. O ator, mesmo que inconscientemente, percebe o seu corpo, quando está num fluxo coreográfico, como um corpo de ator que naquele momento dança – como se fosse algo alheio a sua atuação. A inclusão do entendimento dessa mesma dança em sua cena, precisa ser feita via outros artifícios – pela lógica de um personagem, pela lógica de uma encenação e não pela lógica do seu próprio corpo de ator enquanto significante da cena. Esse fato, causa um não ou pouco engajamento do ator diante dos seus próprios movimentos de corpo ou da sua capacidade criativa para criar danças ou propor movimentos durante a sua encenação, o que dificulta a proposição de uma determinada autonomia durante a elaboração de uma coreografia ou de um raciocínio coreográfico numa determinada cena da peça.


Ingredientes da preparação

Dentre as atividades de uma preparação corporal numa montagem específica parece necessário pensar nos esforços físicos que o ator desenvolve ou precisa adquirir durante a encenação. Algumas linhas do próprio teatro físico já desenvolveram algumas formas de treinamento específicas que envolvem necessidades dos atores para a cena. Dentre milhares de exemplos lembramos Eugênio Barba, Grotowisk, Mayerhold etc.. Com a minha formação em dança, é possível perceber outros modos de preparação (que podem atrelar improvisação em dança, atividades com práticas somáticas, com práticas de alongamento ou técnica de release e dança contemporânea) ou, em alguns momentos, até mesmo lançar mão dessa palavra preparação considerando que o próprio fazer da cena já se apresenta enquanto a medida necessária para a atuação, mixando as necessidades de movimento e criação de personagem do ator nas atividades da preparação corporal. O grupo vilavox nesse processo, conta com uma equipe grande de profissionais por conta de uma sofisticação naquilo que se deseja executar em cena (há professor de canto- Marcelo Jardim, orientadora do trabalho de máscaras para atores – Isa Trigo, eu enquanto preparadora de corpo, diretor musical – Jarbas Bittencourt, e, a direção de cena propriamente dita que é feita pelo diretor que está a frente do processo atual-Claudio Machado). O trabalho de máscaras, segundo Isa Trigo em sua fala durante as atividades com máscaras, as quais tive a oportunidade e o privilégio de acompanhar, pede uma disponibilidade dos atores sobre um tipo de improvisação em que estes lancem mão de uma forma rígida de corpo, ou mesmo amplie seu próprio vocabulário de movimentos para compor uma determinada máscara. Dessa forma, é importante lidar com essa ampliação de padrões de movimento que cada ator apresenta em seu mover, uma disponibilidade do corpo para a improvisação de movimentos e uma coordenação motora entre estar na máscara, cantar um repertório previamente combinado e um texto com roteiro também previamente combinado. Considerando que são muitas ações a serem realizadas ao mesmo tempo, a respiração é o principal agente dessa preparação, bem como uma autonomia de corpo que precisa ser estimulada a cada encontro. As questões do corpo com os seus afazeres motores se ampliam para uma necessidade desse corpo saber lidar com esse grupo em específico bem como também saber lidar com o espaço em qual a cena estará inserida. Divido aqui as necessidades motoras, das necessidades conectivas e as necessidades da relação corpo-espaço que foram trabalhadas durante a preparação.

Das necessidades motoras:

Respiração,  alongamento, peso das partes do corpo no chão, contra-peso entre os atores, atividades de improvisação de movimentos, etc.

Das necessidades conectivas:

Acompanhar o tempo do grupo enquanto se move, criação de movimento em grupo, respiração conjunta, atividades de contato improvisação, atividades de observação/anotação e discussão do corpo do outro em movimento improvisado, autonomia e tomada de decisão no que cerne o movimentos do próprio corpo, etc.

Das necessidades da relação corpo-espaço:

Andar por espaços diferentes internos (sala de aula) e externo (rua), estimulo dos sentidos diante das informações externas, discussão e experimentos em espaços diferenciados da sala de aula, exploração de lugares específicos do espaço da apresentação – modos de estar e de mover, atividades de amplitude do corpo diante de um espaço externo, improviso e inclusão de elementos de um determinado local (leitura dos espaços e suas características), interação com as características de um determinado local urbano.


SOBRE O CAMINHO COREOGRÁFICO

Nesse processo, algumas coreografias estavam misturadas com o corpo do personagem, enquanto que outras eram passagem de uma cena para outra, ou ainda a opção por não coreografar um determinado trecho, era por si só uma concepção, já que durante o processo houveram laboratórios de improvisação e um estímulo à autonomia e criação em cena de novas proposições de movimentos. Algumas seguiam um raciocínio e uma estrutura musical, outras seguiam a estrutura da cena como um todo – entre uma cena e outra, outras seguiam a estrutura do espaço para a construção e ainda outras seguiam o roteiro da cena, no qual o próprio movimento da cena já contava algum trecho da história. Parece que algumas não eram coreografias em si mesmas mas apresentavam um raciocínio coreográfico (uma organização de corpos no espaço-tempo que possui um determinado modo de estar, iniciar, desenvolver e terminar) mas, nesse caso, esse raciocínio estava a favor de uma outra coisa e não dela mesma – da encenação. A coreografia por si só não apresentava o intuito de provocar um discurso pelo seu próprio acontecimento pois já estava desde o início a favor de outros discursos – o texto, o trabalho do ator, a música, etc. Dessa forma, parece coerente que o ator se posicione a procura de uma lógica outra para realizar a coreografia proposta, ou mesmo, proponha coreografias a partir de outras lógicas que não apenas a pautada no corpo em movimento no espaço.

A coreografia 1 – abertura – junto com a lógica musical – apresentando personagens e os atores que entram e saem das máscaras – cada corpo precisa saber lidar com a rua, a música, a saída e entrada nos personagens – ora ampliando, ora dando a dimensão sutil do corpo construído com as máscaras.

Caminho até o espaço – cortejo cantado – importância de segurar a energia do corpo, lógica musical – para onde vai o foco? Adaptação ao movimento do público.

Movimento de cena C’temeré – manuseio de cenário com uma lógica dramática – o movimento da cena como um todo resolve a passagem da história do texto de modo integrado entre música, corpo e encenação.

A coreografia solo – Tudo é assim – o espaço é a lógica do solo – aquilo que o corpo faz apresenta uma saída da cena em si para o espaço que é ocupado pela peça. O corpo está integrado ao espaço e apresentando uma situação dramática em que o personagem está em transição para outro lugar no espaço-tempo.

Transição de cena e mudança de cenário (pararapa pa pa) – a lógica é o cenário – não há uma situação dramática, mas o corpo está em movimento para mudança de cena de modo funcional –  cada ator aparece como si mesmo – o movimento acompanha o rítmo musical.

 Coreografia da banda do curandeiro – a lógica novamente é musical – todos são personagens dançando, há uma situação lúdica de show.

Solo do curandeiro – lógica dramática – texto e música se fundem para explicar uma saída de personagem – a dança precisa dar conta de uma explosão dramática.

Cumadre Fulozinha – lógica coreográfica de um mesmo personagem que se multiplica – a aparição do personagem se move numa forma de show de apresentação, contudo, nesse momento da peça, é necessário uma conectividade específica entre quem fala, quem se move e quem toca instrumento que perdura até o final da cena.

Coreografia menino e menina – lógica coreográfica – a situação já está dada e há uma pausa no desenrolar da peça para a coreografia. Ainda que os personagens se mantenham, o que permanece em voga é o desenho coreográfico em si, pois os atores precisam dar conta de sequências de movimentos no tempo rítmo e um desenho da própria cena feita por outros atores ao mover o cenário.

Movimentos de cena – Milanga – lógica do texto - precisão de corpo e blocos de cena – cada bloco resolve uma parte da contação da história.

Coreografia final – lógica coreográfica apoiada na estrutura musical– atores e elementos cênicos se misturam  em movimentos de corpo distintos para a composição da cena de fechamento, na qual a música ganha uma conotação de discurso que predomina o final.

A partir dessas observações sobre cada passagem de cena, entende-se que o trabalho de corpo é multifocado, ou seja, não aponta para uma lógica em específico. As coisas estão integradas e o trabalho coreográfico se modifica a cada cena. Dessa forma, há uma complexidade tanto na preparação corporal quanto na construção coreográfica do espetáculo que exige habilidades ímpares. Essas idéias foram se formando durante o processo, já que não havia muita clareza para que direção tantas informações apontavam. Na medida em que as cenas foram construídas, as necessidades coreográficas ou de movimentos de cena estavam sendo solicitados e as condições reais de construção eram de uma extrema urgência de resolução que no turbilhão da montagem aos poucos foram sendo solucionadas.


EXPERIÊNCIA EM FRANKFURT – PARA ALÉM DA PREPARAÇÃO CORPORAL E FAZER COREOGRÁFICO

CONTEXTO

Em Frankfurt – Alemanha, entre 25 de julho e 15 de agosto do ano de 2012 estive acompanhando o grupo de teatro Vilavox como preparadora corporal dos atores e coreógrafa do espetáculo “O segredo da arca de trancoso” – sob a direção de Claudio Machado. Fomos todos a convite do festival Summerwerft que acontece nessa cidade anualmente sob a realização do grupo de teatro Antagon dirigido por Bernhard Bub. De grande porte, esse festival abriga artistas em sua sede e ao mesmo tempo produz seus espetáculos, a montagem desses outros artistas no próprio festival e ainda convivem juntos (moram) na própria sede. Neste espaço, durante o festival, há entre mais ou menos 40 a 50 pessoas transitando. Trata-se de um casarão e vários ônibus (treillers) ao seu redor que são utilizados como quartos. As atividades de trabalho variam entre apresentações, montagens e desmontagens de espetáculos, afazeres domésticos, cozinha e produção. O festival dura aproximadamente dezessete dias em pleno verão alemão.

Os artistas do Antagon são de múltiplas nacionalidades o que provoca uma comunicação entre o inglês e outras línguas, dessa forma, o alemão não é a língua mais falada na sede. Durante o festival, além da sede, o espaço do festival – que se trata de uma área externa a alguns quilômetros da sede,  numa bela paisagem Frankfurtiana entre um rio escuro que corta a cidade e prédios antigos e contemporâneos muito bem iluminados além de grandes pontes por cima do rio e um gramado com coelhos correndo pelo caminho. Nessa área externa, são montados bares, tendas de apresentações  para performances de música e dança, feiras, além dos espetáculos do próprio Antagon que acontece em área externa. Entre a sede e o espaço do festival há carros que levam e trazem artistas para ensaios no local e para assistir a programação. Além dos artistas participantes desse evento, o festival conta com voluntários – pessoas dispostas a trabalhar durante o festival para treinar o inglês durante o trabalho ou mesmo para ficarem em estadia na sede do grupo acompanhando o festival.

DIFERENÇAS E O ENCONTRO ENTRE O ANTAGON E O VILAVOX

O Vilavox há quatro anos deixou o Teatro Vila Velha e reside num espaço cultural Casa Preta no qual começa a ter contato com a comunidade local e a ter que lidar com afazeres de uma casa (apesar de seus artistas não residirem na própria sede). O Antagon reside numa sede em Frankfurt onde todos os artistas moram juntos e trabalham juntos de modo coletivo – funcionando nesse sistema há vinte anos sob a direção de Bernahrd Bub. O encontro desses dois modos de lidar com uma convivência artística (Vilavox e Antagon) durante  um fluxo grande de trabalho com  pessoas convivendo  num mesmo local gera uma possibilidade de olhar para um todo (uma espécie de macro-sistema de organização e ao mesmo tempo entender as singularidades de cada grupo e de cada artista). Pode-se pensar também sobre como funciona cada grupo no que cerne o fazer artístico e/ou a produção desse fazer, ou seja, como se mantém e se auto-gera um coletivo de artistas. É possível que essas funções de fazer da produção e do fazer da cena se misturem com a própria vida do artista devido às circunstâncias de moradia e convívio continuado na sede de trabalho. Contudo, nem sempre a condição de moradia é a única causa dessa mistura, já que no próprio grupo Vilavox, de alguma forma, isso também acontece. Qual preço se paga por essa mistura entre vida e trabalho artístico? Quais as fronteiras de conviver e trabalhar com as pessoas de forma continuada e de modo tão intenso? 


No Antagon, por exemplo, o valor maior parece ser o da experiência em convívio. O ensaio, o treino ou o aperfeiçoamento da cena está no seu caráter de grandiosidade com grandes cenários montados ao ar livre com fogos de efeito e grandes adereços. O artista é rotativo, facilmente substituído e os repertórios perduram no tempo mantendo características similares. No Vilavox, o valor maior está no sentido de grupo, de como cada artista entende a função enquanto pessoa de pertencimento desse espaço de grupo de teatro. Com uma característica de preparação vocal desde a sua origem, o grupo faz repertórios e cria músicas e textos a cada montagem, com excessão do último, no qual o texto é do autor brasileiro Luís Felipe Botelho. A característica de convivência entre tantas pessoas no Festival Summerwerft parece seguir na urgência de um fluxo de trabalho continuado, no qual, aquilo que precisa ser feito é compartilhado por todos. Dessa forma, carregar um caixote de frutas da varanda até a cozinha pode ser feito por qualquer artista, voluntário, ou mesmo o diretor do Antagon. Uma comida para cinquenta pessoas pode ser providenciada numa emergência de quatro pessoas que foram escaladas durante um determinado dia – não importa a especificidade do fazer, mas a urgência da necessidade do trabalho. Isso não significa que sempre é harmônico e bem resolvido esse movimento, mas que há uma tensão sobre o próximo trabalho a ser feito e uma sistematização artesanal desse fazer, ou seja, um remanejamento constante dos planos de trabalho durante o festival. O Vilavox se concentra em ensaios mais longos nesse período – algo que aconteceu durante o processo de montagem desse espetáculo – porém de modo precário devido a  ocupações paralelas dos artistas em Salvador. Em Frankfurt, os ensaios foram intensos, mas os trabalhos referentes ao festival também ocuparam os artistas do Vilavox, enquanto que os artistas do Antagon comentavam que não ensaiavam muito seus trabalhos. Em Salvador, o Vilavox é ativo nas programações da cidade, assiste outros espetáculos, circula pela cidade em suas programações culturais, etc. Em Frankfurt, os artistas do Antagon parecem não conhecer muito bem a cidade e não terem tempo necessário para conhecer o que acontece ao redor da sede.

O ESPETÁCULO EM OUTRO ESPAÇO

Os ensaios do grupo e a pré-estréia foram realizados em Salvador, num espaço próximo à sede que se tratava de um terreno (uma espécie de quintal de um velho casarão do bairro 2 de julho). Nesse local, o chão é de barro, há árvores, cachorros, um galo e uma vista para a Baía de Todos os Santos, na qual muitas vezes apreciamos o pôr-do-sol.  Os imprevistos enfrentados sobre chuva, manga caindo durante o ensaio, galho de árvore enganchando no cenário, gambiarras de luz providenciadas para a peça, agenciaram um caráter de um espaço ocupado e convivido entre os atores do grupo durante aproximadamente dois meses. Dessa forma, o galo do lugar já fazia parte da encenação, bem como os cachorros e o cheiro de barro que impregnava a todo ensaio. Subir nas árvores, se equilibrar nos muros e nos degraus bem como correr no terreno em alta velocidade procurando esconderijos e espaços para ocupar foram ações agenciadas durante os ensaios e preparações. Os sentidos estiveram aguçados para apropriação desse espaço e inclusão de suas informações para a peça em forma de um círculo que se formava ao redor da plateia sentada em bancos no centro do espaço.

Em Frankfurt, a paisagem ao redor do espetáculo era imensa e não havia como ter plateia apenas no centro. Havia plateia no centro e ao redor da peça – o que complexificava o foco de corpo dos atores. A peça fora apresentada para um público que não entende português, num espaço maior que o delimitado durante os ensaios em Salvador. Assim, houveram muitas mudanças e novidades para os atores que a todo tempo estiveram no exercício de adaptar suas ações ao espaço. Não havia muro para subir, ou objetos específicos do espaço para interagir e sim uma grande paisagem de prédios iluminados ao redor do espetáculo!! Ainda não era a rua... mas uma situação específica do espaço do festival.

O encontro com o lugar, penso eu, nesse caso, se deu desde uma chegada a outro país, com outra sonoridade, outros costumes... a sonoridade brasileira musical muito diferente do que estão acostumados a ouvir, um horário rígido para parar de falar alto, etc. Fuso horário adiantado seis horas de diferença do Brasil e uma noite que só escurecia às 21 horas. Não houve tanto tempo para apropriação do espaço como no Brasil, mas a adaptação já estava acontecendo, ali em tempo real. 

O público nesse espaço se sentia a vontade para levantar, sair e voltar, etc. A língua dos textos foi a parte mais difícil para garantir a permanência das pessoas durante o espetáculo, mas as crianças acompanhavam todos os gestos com atenção. O grupo organizou um programa em alemão com a descrição de cada cena e personagem do espetáculo, o que facilitava o entendimento, porém o que saltava aos olhos do público eram as músicas, o figurino e as máscaras que de forma inusitada invadia o espaço do festival alemão.

O espaço do festival concentrou todos os acontecimentos artísticos num mesmo lugar com grandes montagens e desmontagens de cenário e luz. Dessa forma, as pessoas iam até esse espaço para assistir algo específico da programação. Considerando que esse espaço é reservado – uma espécie de parque a beira do rio, não haviam interferências de pessoas que não foram assistir o espetáculo e sim uma plateia atenta ao espetáculo. Essa característica se diferencia de uma atividade interventiva na qual aquilo que se apresenta interfere no funcionamento de algum local urbano. Essa experiência revela ao grupo sobre a necessidade de escolher e medir o espaço da apresentação que não se apresenta como algo tão adaptável assim, ou seja, a mudança de um espaço para outro precisa de critérios específicos mais atrelados à um espetáculo na rua que a um teatro de rua.

De volta a Salvador, o grupo passa agora a se preparar para as etapas seguintes de temporada, com o frescor de uma experiência ímpar de viajar em grupo para um espaço (país) tão distinto. Esse texto deixa reticências no sentido de não saber o seguimento do espetáculo, além de sua apresentação no país natal, mas acreditando que esse processo arrastou e provocou mudanças e evoluções na vida de cada componente do grupo. O texto fala de uma arca, de um compromisso a ser cumprido, de um segredo da vida, de amadurecimento, de crise e reconstrução, de amor e reencontro... e qual será mesmo a fronteira entre a arte enossas vidas? Vamos em frente, que esse grupo ainda há de criar muitas histórias, trajetos e encontros!!

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