Agora, numa etapa de relatório do projeto Arquipélago junto ao Coletivo Construções Compartilhadas, relembro toda a trajetória desse ano... por sugestão de Rita Aquino para todos os membros do coletivo responderem sobre suas ilhas - a pergunta-chave do projeto - Por onde você tem passado? - respondo:

Tenho passado por um lugar de comunidade, diferente da minha realidade, mas que se tornou a minha realidade durante esse processo criativo. Momentos de questionamentos sobre uma determinada forma de convívio pelas dores e amores de pessoas que se comportam e tem hábitos diferentes das minhas escolhas e oportunidades atuais. Tenho rolado por uma inclinação de concreto para chegar até o mar, para chegar até o céu, lugares infinitos de ludicidade e de uma magia que só existe em comunidades, onde as pessoas se conhecem e se protegem a longo tempo. Mas com um imenso cansaço das dificuldades que essa condição traz – estar quase sempre fora de um mapeamento do macro-sistema e escondido do caminho nobre, estar com a delícia do mar e com o odor do lixo – significar quase nada diante de um sistema político. Tenho passado por um lugar de transformação, onde os movimentos são coreografados e improvisados e atualizados e compartilhados com o chão e com a água. Tenho ficado bêbada na minha própria solidão para emergir na superfície alvejada... tenho respirado com pouco ar, mas rodeada de crianças que desenham a própria comunidade e ainda sabem o que é brincar na rua num futebol diário ao pôr-do-sol aberto ao mar. Tenho vivido rolamentos de encontros e despedidas no exercício de saber criar afetos e saber dizer adeus, deixar o lugar, deixar a casa, subir a ladeira... um poder de mover, de ir e vir, de deixar rastros pelo caminho. Tenho saudades da casa da minha avó que fazia geladinho e morava numa ladeira que dava pro parque da cidade – na Vila Brandão, D. Tonha faz geladinho e mora no meio da ladeira que dá pro mar... há uma identificação de uma memória e de uma lembrança que aproxima os lugares de uma infância e de um afeto que se atualiza!!

Pronto! Se passaram os dias da apresentação... cada dia foi bem diferente, com surpresas e comentários distintos... estou satisfeita com o resultado, exausta do ano inteiro e com uma sensação de dever cumprido!!

 

Dentre outras pessoas que assistiram, consigo lembrar algumas – inclusive do Coletivo Construções Compartilhadas – que compareceram para assistir Ladeira de chuva...

 

Na terça-feira, Eduardo Rosa foi assistir e contou umas cinquenta pessoas, disse sobre uma vontade de ver um tempo mais dilatado ao final do solo... Gabriel teixeira foi filmar

Na quarta-feira, Rita Aquino foi assistir e comentou sobre uma vontade sua de ouvir uma música quando eu danço...

Na quinta-feira, Lenine Guevara foi assistir junto com Ana Milena Navarro e Mariana Terra

Na sexta-feira, minha família foi assistir

No sábado, Carlos Santana foi assistir e Gabriel Teixeira apareceu novamente para gravar o sol...Leo França e Gordo Neto também apareceram para assistir...

No domingo, Ciane Fernandes foi assistir e conversou muito comigo sobre o que viu (disse que viu libélulas voando - como uma imagem - e eu nunca falei nada para ela sobre as libélulas no meu trabalho rsrsrsr... Manu Santiago e Claudio machado também assistiram.

No último dia, Pingo assistiu o trabalho, e ele não estava bêbado... dei um abraço gigante nele antes de ir embora... vou sentir saudade da Vila Brandão - as imagens que vi de dentro do trabalho é de uma mágica, de um sonho, de estrelas num céu feito de chão...

 

 

As crianças invadiram o trabalho de um jeito que eu não esperava... um verdadeiro presente!!

 

Texto de Manu enviado via e-mail:

 

Liu

 

Que lindo!!!

 

Um SALVE pela Chuva de poesia na Ladeira e um MUITO OBRIGADA por ter compartilhado!

 

Só lembranças boas (criadas e trocadas).. me lembrei de tantos momentos.. e fiquei muito feliz por ter estado presente em alguns! Me lembrei da bala e das crianças do 2 de julho, da sereia que vc fez na casa de Isa (Trigo), da nossa dança na chuva e na ladeira de Sampa, das bolhas de plástico na Alemanha.. enfim, mil momentos.

 

Me sinto privilegiada por ter vivido isso tudo com você! Me encontrei no seu turbilhão, me encontrei nesse oceano.. nessa mar que é sereno e tempestuoso.

 

Foi lindo, fluido, liquido, azul, de luz.. foi verdadeiro.

MUITO OBRIGADA!! E volte.. merecemos vê novamente.

 

Linda, linda e linda! Ainda QUERO DANÇAR COM VOCÊ!

Bj,

 

 

 

 

Tenho a agradecer muito a Rute Mascarenhas que me acompanhou muito perto todas as dificuldades, surpresas e felicidades desse processo - acho que ainda temos frutos a colher - foi uma viagem e tanta - uma versão de Alice no país das maravilhas... a minha vida durante esse processo sofreu grandes alterações! avante!

 

Também a Frank Handeler que me acolheu em sua casa como suporte para o solo!!!

 

ESTRÉIA!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

Dia 20 chegou... quando comecei esse processo, a data de apresentação era uma coisa tão longe que ainda viria... de repente, já estou aqui escrevendo e já se passou o primeiro e o segundo dia!! Estou gostando de apresentar, aparece agora uma outra sensação... de compartilhamento de algo que se configurou. Eu começo a entender melhor o trabalho agora, as imagens que vejo durante o trabalho, o retorno que as pessoas me dão sobre o que sentiram... está sendo bom!!

Engraçado que as crianças começaram a me rodear durante a apresentação - e nem combinei nada com elas... são anjos me acompanhando!! O público fala durante todo o trabalho, narra, conversa, comenta... rsrsrsrssr

Tenho a  sensação de realização, de fechamento de ciclo e de que o cansaço dos ensaios valeu a pena!!

Ontem na estréia comemoramos (a equipe) com cerveja e pizza e música na casa do querido Frank Hendeler que esteve acompanhando o meu convívio na ladeira - nesse lugar morei um mês e me sinto acolhida durante essa temporada!

Fico bem cansada quando acaba a apresentação... então vamos nessa que ainda faltam mais quatro dias!!!

Nesses ultimos dias de ensaio 16, 17 de novembro estou com muitas coisas na cabeça, para além das questões artísticas do trabalho, mas com a finalização, a logística de público, minha ansiedade e também o cansaço... de qualquer forma me deparo com o fechamento de um ciclo nesta semana que chega para de fato apresentar algo... foram muitas coisas que aconteceram... que se condensam agora num trabalho a ser compartilhado. Ensaiei no dia 17 com figurino e Bárbara Santos e Rino Carvalho assistiram... foi muito bom ter compartilhado o solo com uma inteireza maior.

Tenho a sensação de que minha vida desceu uma imensa ladeira para o mar e agora começa a transbordar com água para estar de volta a superfície renovada - há muitas mudanças que ocorrem comigo neste exato momento - coisas concretas pessoais... e sempre fico observando como a energia de cada processo criativo invade sem pedir licença a nossa posição  no mundo...

Bom, vamos nessa... falta amanhã, a véspera, que será um dia e tanto!!!!

Hoje, 13 de novembro, passei o roteiro, porém fora do horário - um pouco mais tarde!

Está chegando... nervosa com a aproximação de um compartilhamento com outras pessoas...

Fiquei tentando fazer algumas costuras entre os materiais criativos... Pingo apareceu hoje, mas estava muito bêbado, sentou na ladeira e ficou me chamando "minha gata!" -  e eu respondia de cima da ladeira - "Oi Pingo, estou aqui em cima" - continuei ensaiando e em algum momento ele desistiu e foi pra casa... acho que não aguentou subir a ladeira. O garrafão se estraçalhou no final da cena do futebol... e os meninos disseram que estava esperando eu "fazer o show" para eles... rsrsrs

Bom, semana que vem, na próxima terça-feira, "de hoje a oito", como se diz aqui na Bahia vai ter apresentação - de 20 a 25 (terça, quarta, quinta, sexta, sábado e domingo) sempre as 17hs na Ladeira da Vila Brandão... LADEIRA DE CHUVA em contagem regressiva!!!

Vamos nessa!!

Hoje, 12 de novembro, passei o roteiro inteiro... algumas pessoas ficaram assistindo e falando durante... ainda tem partes do trabalho que precisam de amarração e de forma mais objetiva. Mas já começa a melhorar na minha cabeça um desenrolar... mesmo que não seja a versão final, para semana que vem algo há de se configurar... na segunda-feira, depois de uma pausa, sempre chego revigorada para começar o trabalho... estou quebrada hj...

Engraçado que um bebê de uns três anos mais ou menos, hoje depois do ensaio, da parte do futebol, abraçou o garrafão que não queria mais largar, e depois saiu jogando futebol pela pracinha da vila... depois chegou uma menina maior de uns cinco anos e estava jogando com ele...

Quando a irmã foi pedir o garrafão de volta, o bebê chorou... achei engraçado!!!

O artista Aroldo Garay que mora na vila me cedeu um camarim (na sua casa) - achei chique!!

Agora é contagem regressiva hein, semana que vem... vamos nessa!!

Hoje, dia 07 de novembro, fui até a vila, cheguei um pouco tarde para ensaiar... mas fui direto para o campo de futebol - minhas joelheiras depois da chuva de ontem ficou encharcada! Senti medo do campo de futebol - deserto, rodeado de mato sem ninguém por perto e cachorros ao longe latindo muito... uma paisagem selvagem -  as casas da Vila ficam em cima e o campo fica entre as casas e uma descida de barro (uma trilha) até o mar. Me lembrei do Capão - algumas vezes sinto esse mesmo medo - a diferença é que estou no centro da cidade e algo ou alguem pode aparecer... sei lá, a Vila não é um local perigoso, mas às vezes fico sozinha - e no campo de futebol não tem luz, quando o sol cai, escurece mesmo. O som dos cachorros lembra a minha infância - tenho medo do som dos latidos do cachorro!!! Dancei um pouco no meio do campo, aproveitando essa sensação e depois subi e fiquei um tempo sentada no chão junto com alguns jovens que ficam na praça, sem fazer nada, só esperando o tempo passar... experimentei alguns movimentos na ladeira - sem joelheira é mais difícil... e depois fui tomar banho! Amanheci bem quebrada da chuva de ontem... mas foi importante ter ido ao campo de futebol hoje!

Vamos lá...! 

Hoje, 06 de novembro, choveu na ladeira pela primeira vez no meio do ensaio... fiquei com uma mistura de várias sensações! Antes de começar a chover, já tinha começado o ensaio e algumas crianças resolveram acompanhar o que eu estava fazendo, conversando durante, repetindo alguns gestos, pegando nos sacos de lixo que estou trabalhando... de repente, começou a chover muito e as pessoas que estavam na ladeira sumiram, foram para casa, foram embora. O mar e o céu estavam num tom azul cinza - não tinha muita divisão entre um e outro. Ainda estava claro, não tinha escurecido - a tarde caiu em chuva... e senti uma solidão plástica!!! Continuei o ensaio, me molhei muito... me emocionei em alguns momentos... a noite caiu debaixo de muita chuva e fiz os mesmos movimentos com outro equilíbrio - medo de escorregar! Ao final do ensaio, o tempo estava pesado e belo - muiiita chuva! Fiquei achando um privilégio poder experimentar a chuva nessas circunstâncias, mas fiquei um pouco preocupada com os dias de apresentação... contudo uma certeza - não vou parar de fazer o solo se chover!!

O garrafão caiu no meu nariz e doeu um pouco mas não foi nada!! Estou com dores... a chuva me deixou densa hj, tive várias curvas de mudança de estado - uma melancolia, uma saudade de não sei o quê... uma solidão! e quando estava indo embora, a água descia pelo canto da ladeira que nem cachoeira!!! Muito bonito!!

Fico pensando que nem sei como tudo vai se configurar no final... pode ser que fique bom, bonito, mas pode ser que não seja interessante para muita gente... não sei que vai ser, só posso falar por essas experiências do processo - das imagens que trago na memória desse lugar que parece não cessar de surpresas!

Esse lugar realmente é o lugar da transformação... puxa para baixo para devolver à superfície uma nova vida...

E haja resistência!!!

Vamos nessa!!

Hoje dia 05 de novembro, estive ensaiando, tentando não interromper o fluxo do do roteiro que imagino seguir no dia... um amigo (Arnold) morador atual da casa que eu morava na Vila Brandão, esteve me acompanhando tirando fotos, pediu... eu deixei... nem vi ainda o resultado...

Penso que subir a ladeira com os garrafões já é mapear onde está mais sujo, onde posso rolar sem me sujar tanto... ai, tomara que essa semana eu esteja forte... está chegando perto!

Durante a parte do futebol, um dos garrafões quebrou ao meio e reparei que os garrafões estão rachados - fiquei um pouco preocupada com as rachaduras do plástico que machucam se pegar no corpo, mas por outro lado, fiquei pensando que essas rachaduras são histórias de ensaios nos objetos... eles foram gastos por ensaios - não sei o que isso quer dizer, mas talvez é bom para mim ver o quanto que já joguei esses garrafões para cima... rsrsrs

Hoje fiquei pensando na relação dos homens da Vila com a minha presença constante - não posso ser ingênua - ao mesmo tempo estou num lugar que eles me respeitam por ser mulher e, ao mesmo tempo, me sinto muitas vezes objeto de desejo - fico pensando que isso é um lugar de reposicionamento que posso estar construindo no imaginário deles... sou a artista da Ladeira - isso cria um distanciamento e uma justificativa para o que estou fazendo... mas em alguns momentos me sinto vulnerável - não por causa do lugar (bairro) mas por causa do meu lugar de gênero (uma mulher). E é louco porque quem lida com arte  e com dança começa a ter uma relação com o lugar do corpo que é até um pouco despojado, sem pudores... mas me sinto protegida pelas crianças (o que faço vira brincadeira) ou pelas pessoa que lá aparecem para me acompanhar  - engraçado que sempre tive um pouco de raiva dessa condição do gênero feminino entre os homens... me lembro do meu pai nos bares querendo que eu desse bom dia aos bebuns... rsrsrsrs e eu sempre fui meio metidinha... porque me sentia olhada - eu achava que tinha que ser igual - falar que nem meu pai - e não ser especial porque eu era mulher... mas isso é só uma memória kkkkkkk

Hoje um morador me perguntou se eu jogava futebol... achei engraçado!! Sinal de que ele acha bom o futebol com os garrafões...

Bom, amanhã continuo - vamos nessa!! (um amigo meu - Carlos Castillo - que está assinando a fotografia) gosta dessa expressão - vamos nessa! (porque parece que falo pra mim mesma... é verdade!!)

Respirar pra subir e descer a ladeira novamente!!

Depois do ensaio do dia 23 de outubro, aconteceram várias coisas na ladeira... um workshop para crianças que durou três dias - na igreja da Vitória, Ana Milena Navarro assistiu um ensaio e me falou algumas de suas impressões e Fred Alvin também assistiu um ensaio e já teve idéias concretas para a iluminação.

Como nada mesmo é linear nesse processo, fiquei com uma impressão de turbilhão esses dias... um imenso cansaço e muitas informações... só que agora não posso esmorecer porque a estréia já está para dia 20 (aff, perto demais!!)

Sobre o workshop de 24 a 26 de outubro - foi muito envolvente estar com as crianças da Vila Brandão e perceber o quão elas são sensíveis e abertas e como a representação do espaço de moradia delas é muito positiva! Ao final de cada aula - que foi realizada num salão da igreja da Vitória - pedi para que eles fizessem um desenho - sempre com a indicação do lugar que eles moram, ou daquilo que eles observam numa determinada paisagem das janelas do salão. No segundo dia de workshop, as crianças foram para a ladeira com os garrafões (que fizeram parte da aula e tal) filmaram e tiraram fotografia dos caminhos que elas fazem pra chegar até suas casas! A partir de uma idéia de Rute Mascarenhas, imprimimos uma foto de cada criança e demos a ela como uma lembrança dos encontros que tivemos! Uma das crianças, o Emerson, desenhou a mim e a Rute na ladeira - eu em pé com os garrafões e Rute com uma câmera na mão rsrsrsrs Nesse local, é realizado por Frank Hendler o projeto Casa Mátria que realiza workshops continuados nesse espaço da igreja - um grande salão branco com pisos de cerâmica, cercado com janelas de vidros, uma grande mesa de madeira, um piano e quadros de santo nas paredes. A igreja de Nossa Senhora da Vitória!! Vamos pedir a ela rsrsrsrs a vitória...

Ana Milena Navarro assistiu o ensaio do dia 25 e colaborou muito falando suas impressões e sugerindo desdobramentos. Fred Alvin também teve novas idéias para a luz nesse dia.

Esta semana foi um pouco conturbada, consegui ensaiar poucos dias pensando nas coisas que eu tinha ouvido de Ana Milena e Fred, tomei mais um banho de mar com Carol na quarta-feira e a água estava bem mais calma - foi mais tarde ao pôr-do-sol.

Começo a ter um frio na barriga sobre o dia 20... será o retrato de um caminho que foi possível traçar... ainda acho que precisa de lapidação - sinto um certo cansaço, acho que preciso me energizar e tomar um fôlego grande pra apresentação.

Vamos nessa...

Hoje, 23 de outubro, o ensaio começou como sempre tem sido ao pôr-do-sol. Me senti um pouco mais cansada que o normal... e no meio do ensaio algumas sequências de movimentos foram esquecidas... mas consegui passar tudo que tinha no roteiro grosseiramente...

No momento do futebol, um dos moradores me fez uma série de perguntas sobre o nome dessa dança, e para minha surpresa me deu parabéns... que achava legal!!!

Um outro morador, chamado Amilton (no momento tomava algumas cervejas) falou que os garrafões atrapalham as crianças quando querem brincar na ladeira - mas os outros moradores me olhavam sinalizando que não era para dar importância ao que ele estava falando... então, me apresentei a ele e fiquei conversando... no final das contas, ele estava me perguntando se eu tinha namorado e como era o nome dele... então desconversei com todos ao meu redor sorrindo e encerrei o ensaio... hoje eu me senti um pouco mais cansada!! 

Há uma cumplicidade das pessoas sobre o que estou fazendo... claro que Rute com os cartões e uma comunicação a parte ajuda... mas as pessoas desse lugar são fascinantes!!

Quando estava indo embora, tinha geladinho azul, Rute chegou para distribuir o panfleto da oficina de dança  que vou dar amanhã para as crianças na igreja da Vitória... comprei um geladinho azul para Rute também...

Bom, começo a pensar no figurino e na luz... penso que essas coisas precisam estar já conversando com o que faço lá... mas vamos que vamos!!

Amanhã será uma tarde cheia - oficina + ensaio (que os deuses me dêem resistência!!!).

Hoje, 22 de outubro, o ensaio foi divertido!!

Estive na ladeira, ainda estava claro, o sol estava se pondo... comecei a ensaiar não tinha quase ninguém na ladeira... comecei a observar melhor o tamanho do muro e como me sinto pequenina diante do muro de zigue-zague que separa a comunidade de um prédio bem alto ao lado da ladeira...

Hoje passou um morador que queria saber o que era aquilo que eu fazia... "que arte é essa aí? É pilates? , porque tem uns rolamentos parecidos, né?" Interessante essa conclusão dele... rsrsrs Respondi que era dança, aí ele perguntou "Dança?, só isso?"

Levei cinco garrafões para o ensaio hoje. No meio do ensaio, quando comecei a usar os garrafões, Pingo (sempre meio bêbado)apareceu para dar pitaco!! Pedi para Alex (um dos moradores da Vila que estava montando uma estrutura de madeira no telhado) colocar água em dois garrafões - então Pingo começou a narrar o que eu fazia imitando um diretor... "isso, agora para lá, agora vira, agora rsrsrsrs  Comecei a me molhar muito e os dois garrafões com água ficaram pesados pra dançar...

Na parte do futebol, Pingo jogou comigo... eu tocava o garrafão para ele, ele para mim, os meninos que ficam na vila essa hora começaram a olhar e rir, o sol já tinha se posto... estava um azul escuro... e Pingo jogando comigo, começamos a brincar de pênalti... eu sempre jogava direto e ele pegava o garrafão, ele jogava para o meu gol de cabeça, tentei cabecear o garrafão e senti dor... rsrsrs então num dos cutes dele pro gol, a boca do garrafão pegou no meu tornozelo e eu caí segurando o tornozelo... kkkk

O ensaio acabou, eu estava exausta, todos riam de mim... mas foi divertido!!!

Quando fui embora vi Carol - ela estava melhor da saúde hoje!!

Encontrei um outro morador e dei o telefone da escola da Funceb pra ele colocar a filha dele para fazer dança... e o número da professora Janahína - professora de balé!!


OLHA SÓ O QUE ANA PI POSTOU PRA MIM (QUERIA QUE ELA TIVESSE AQUI NO BRASIL)... UM PRESENTE:

nossa! se eu continuar lendo seu blog vou morrer literalmente de nostalgia!
demorei, pq esses ultimos tempos tem sido super intensos, mas queria compartilhar contigo o video que fiz na vila o 'para as mulheres', faz tempo, tinha uma idéia de videodança que não consegui ir até o fim, uma pena! mas vendo seu trabalho me sinto 'realizada' de saber que alguém que admiro tanto ta fazendo da vila sua inspiração e cenario pra criar! e engraçado que uma das semanas tinha garrafão no roteiro, pq uma vez eu fui comprar um no beco sozinha, com o celular no bolso, tava super pesado, meu telefone começou a tocar vibrando, quando cheguei dentro de casa deixei o garrafão cair e acabei atendendo o telefone, foi agua pra todo lado, e a ci (mãe do joaquim) começou a pirar na idéia comigo, acho que ela viu a cena na verdade, pq moravamos juntas!

OLHA SÓ ESSE VÍDEO DA ANA PI NA VILA BRANDÃO :

http://www.youtube.com/watch?v=CdQLXLsdKWE

ANAAAAAAAAAA VEM DANÇAR COMIGO!!! RSRSRS

Hoje, 18 de outubro, fui ao ensaio quase às 17 horas... já tarde!! Costumo chegar um pouco mais cedo que isso. Levei dois garrafões - um com um pouco de água e o outro vazio. Ainda fica difícil ensaiar com muitos garrafões sozinha. Mas a partir da semana que vem, tenho que resolver essa questão - preciso me acostumar a fazer sempre com muitos garrafões - se é o que pretendo mostrar.

Bom, estava ansiosa para provar o geladinho azul que Tonha fez - muiiito bom!! Ela fez de limão e coloriu de azul rsrsrs me lembrei da música de caetano: "Araçá azul é sonho segredo, não é segredo...!!" adoro essa música!! É que o geladinho não parecia comestível porque era azul...

Depois que acabou o geladinho, passei o roteiro do início... senti dificuldades em parar como ontem pra sentir a temperatura da ladeira... então segui e no jogo de futebol, o garrafão caiu lá embaixo num buraco que eu ainda não tinha prestado atenção!! Então, achei que não tinha mais como pegar, quando um dos meninos falou para mim: do outro lado!! Quando desci, embaixo da ladeira tinha um portão, entrada de outra moradia... um caminho que eu nunca tinha visto!! Então o mesmo menino que falou - do outro lado, veio me ajudar a recuperar o garrafão...fiquei surpresa com a extensão do terreno por baixo da ladeira...

Bom, pegeui outro geladinho e fiquei observando a lua, as cores, as sombras, as casas... Pingo passou tão bêbado que nem me viu!!

Carol está doente!! Senti a falta dela, perguntei por ela e ninguém sabia dizer - quando na hora que eu já estava indo embora, ela apareceu om um aspecto febril, meio amolecida... está com febre, emtupida e não consegue comer... fiquei meio preocupada!

Rute não veio hoje... !!

Um dos meninos que ficam na ladeira ficou me perguntando várias coisas sobre o que eu estava fazendo - se eu tinha aprendido isso em algum lugar, se as pessoas vão pra lá entrevistar, se eu já tinha feito isso em outro lugar rsrsrs achei engraçado e ao mesmo tempo de uma delicadeza ele ficar tão curioso sobre tantas questões. Semana que vem tem o workshop, vamos ver se os curiosos aparecem!!!

Hoje, 17 de outubro, amanheceu chovendo... achei que não faria sol a tarde... marquei uma outra reunião... mas fui lá na vila rapidinho pra ver se o geladinho azul já estava pronto - não estava!!! Era muito cedo ainda... sol forte - bom, pelo menos fui até lá e pedi pra que a mãe de Amanda (a moça que faz o geladinho) chegasse, guardasse o geladinho que amanhã eu iria provar!! Subi a ladeira aos saltos... aff !! não há quem não canse ao subir... amanhã volto pra ensaiar!! Preciso mesmo resolver sobre a chuva... conversar com o figurinista - Rino Carvalho - pra saber como fazer se chover... afinal, o nome já tem chuva hehehehehe

Hoje, dia 16 de outubro, mergulhei no mar da trilha da Vila Brandão pela primeira vez. Fui com Carol - moradora da comunidade!! É incrível a beleza desse lugar... o mar estava agitado fazendo as ondas baterem com força nas pedras - não é tranquilo de entrar na água. Ficamos as duas, eu e Carol estudando uma melhor possibilidade de entrar no mar, sem escorregar nas pedras, sem deixar que a onda esmagasse a gente nas grandes pedras... pulamos de vez - é fundo!! tem que nadar e prestar atenção na onda no momento de retornar a superfície!! Espumas brancas invadem esse lugar, o pôr-do-sol logo a frente com um tapete de trilha de luz - muito bonito!!! Após o banho de mar, vesti minha roupa de ensaio (uma calça jeans, joelheiras, camisa de manga, top), peguei os dois garrafões e voltei para a ladeira.

Dia de ensaio com a ladeira movimentada, havia um material de construção sendo levado de cima para baixo por vários moradores. Hoje, no meio da sequência, percebi que tinha uma moradora sentada no passeio da ladeira com o olhar muito longe... se balançava sutilmente... fiquei com vontade de experimentar esse estado e parei de ensaiar - deitei na ladeira em posição de feto e fiquei olhando o mar e o anoitecer - percebi que a ladeira, mesmo com o sol quase posto, estava quente - morninha como uma colcha. Fiquei ali por um tempo a observar a moradora e a paisagem ao fundo da sua imagem... Deitada no chão, o horizonte parecia estar diferente...

Voltei a me concentrar no futebol, um morador me perguntou sobre aulas de dança para sua filha de seis anos... voltei a ensaiar e entrei na parte que o garrafão vira uma bola de futebol... Sr. Joselino começou a convesrar comigo, Rute chegou... acabei o futebol... fiquei curiosa para saber como é a trilha do mar no horário da noite... mas já estava muito escuro!!

Pedi para outra moradora fazer dois geladinhos azuis para experimentar amanhã!!!

Estou cansada!! Imagens do banho de mar me voltam a cabeça sempre - muito forte as espumas brancas batendo nas pedras!!! Uma vontade de fazer essa imagem virar movimentos!!!

Hoje, dia 15 de outubro, após a imersão criativa na ladeira de 18 dias realizada no mês de setembro - que do meio para o final fora interrompida por viagens, olho para rastros deixados na ladeira. Agora, estou novamente em minha casa no 2 de julho, lembrando do tempo que estive morando propriamente dito na ladeira. Hoje, me senti voltando a ensaiar continuadamente... mostrei os vídeos no congresso da Abrace - em Porto Alegre - e percebi o quão essa realidade é de fato diferente em outros lugares. Agora tenho um espaço de tempo maior para ensaiar até a apresentação pública. Me sinto solitária, mesmo com a minha companheira de viagem Rute - que sempre tem uma nova idéia em suas produções... e Carlos que estão sempre por perto... me sinto só. Amanhã vamos distribuir agendas culturais para a comunidade... a ladeira estava suja de novo hoje - na prefeitura esse lugar nem consta no mapa de limpeza!!! Hoje, fui no caminho do mar novamente depois de tanto tempo (tinha ido com Lucia). Fiquei com muita vontade de iluminar até lá em baixo... Carol falou que os meninos querem jogar bola no campo de barro, mas sem iluminação é impossível... o mato precisa ser cortado também, abrindo trilha para o banho de mar, mas não há quem corte!! Tenho vontade de ter mais poder e conseguir realizar aquilo que é necessário na Vila... mas não sei bem como!!! Será que a iluminação do solo não pode ajudar?
Levei uma bandeirola hoje para testar ... as crianças ficaram pulando querendo pegar, acharam que era uma brincadeira - de repente pode até se tornar... rsrs foi divertido!!!

Pingo - bêbado - voltou a dizer que é o diretor... queria incluir ele, mas não sei se posso estar denegrindo ainda mais sua imagem!!!

Amanhã vou preparada para um banho de mar, Carol vai me levar... hj deu medo, as ondas batem forte nas pedras...

Lisi (que morava na Vila Brandão no mesmo lugar que eu) veio aqui no 2 de julho hoje - ela é Austríaca - acho que fiz mais uma amiga!!

Caderninho azul de anotações... veja mais fotos dele na página - o processo da ladeira.

Fotorolando - Carlos Castillo

Morar e dançar na Vila Brandão - livres relatos...

O mar...

Morar de frente pro mar traz um modo de se relacionar com o tempo das coisas que parece carregar o som e o tempo da água do mar a se mover numa paisagem visual durante todo o dia e noite...

Voltar para o lugar que é rodeado pelo mar, talvez signifique modificar o ritmo e entrar em outra lógica de funcionamento

 

Num lugar depois da ladeira em que entradas, becos e saídas, escadas e blocos nus ora aparecem, ora são apenas passagens para uma paisagem azul... olhar o mar daqui da vila parece deixar as pessoas em estado de hipnose...

 

Por coincidência do destino, estou morando aqui na própria Vila. É reconfortante saber que existe um acolhimento das pessoas que me cumprimentam – fruto de visitas num processo criativo de dança contemporânea. As crianças reconhecem partes do trabalho tentando imitar aquilo que é feito... muitos riem, reconhecem que algo está sendo feito e acham engraçado!!

 

O barulho e as cores que a ladeira apresenta desaparece no lugar onde estou morando na Vila – o som em comum da ladeira com as crianças brincando e pessoas falando, daqui não se escuta. É como se dentro da própria comunidade recortes outros se apresentam diante de quem aqui mora, em becos, entradas e saídas e recortes distintos de uma mesma paisagem. Está sendo importante respirar esse lugar dessa forma, nem que seja pra chegar pela ladeira e sair pela ladeira todos os dias... mesmo quando não tem ensaio, viver aqui fortalece os ensaios necessários que não podem ocorrer por alguma razão...

 

O barulho do mar está em toda a parte... durmo e acordo com esse som – é o melhor para concentrar a escrita e pensar no dia que vem...

...

 

Hoje fiquei um pouco triste com o estado sujo da ladeira – parece que a Limpurb vem aqui uma vez no mês... muita sujeira num lugar tão bonito!!! Dá uma sensação de inutilidade ficar fazendo movimentos na ladeira sem que isso faça um sentido de mudança para a comunidade, que aliás nesse momento, estou fazendo parte dela.

 

É um dos contrastes sociais que encontramos em lugares do centro da cidade que ao mesmo tempo são periféricos... a prefeitura fica muito ocupada limpando os centros da cidade e a Vila, que muita gente nem sabe que existe fica a míngua!

Vídeo de Ana Pi sobre a época em que queriam desapropriar a Vila Brandão!!
http://vimeo.com/3826975

A libélula

A libélula veio desenhada no caderninho azul onde anoto coisas sobre o processo. Comecei perguntando sobre o significado desse desenho e cada vez mais entendo... foto que Lucia me enviou do Uruguai - ela foi a primeira pessoa com quem comecei a falar sobre a libélula.

Símbolo do sígno de Aquário

Símbolo - interpretação de Pedro Filho Amorim quando falei para ele, certa vez, que o processo só tinha três palavras: duas (duas pessoas), água (tinha água do mar e água no processo) e zigue-zague (as pessoas andam em zigue-zague na ladeira que é muito inclinada - uma solução do corpo para subir...). Pedro pensou em duas, água e zigue-zague e rapidamente me enviou esse símbolo e muitas outras possibilidades se abriram...

corpo-espaço- ladeira

Ladeira de chuva

Líria Morays (solo)

Declives de compartilhamento, de rolamento, de escoamento, de escorrimento – uma paisagem azul e o encontro com um lugar escondido no centro de Salvador.

 

Fotos: Carlos Castillo