Textos descompromissados (espaço-corpo)

Posição, com posição, re posicionamento, em posição, composição, de composição... essa história de estudar composição tem mexido bastante com a minha vida... de fato tenho sempre, nos últimos tempos, que tomar posicionamentos - atitudes diferenciadas diante de algumas situações!!! O espaço - o lugar - aquele ponto que em algum momento da vida parece ser dado e decidido no mundo parece se desmoronar e obriga ao sujeito uma tomada de decisão sobre os caminhos possíveis... e até mesmo faz enxergar becos e pontes que ainda não havia visto a menor possibilidade. A passagem por situações inusitadas que conscientemente são frutos de escolhas passivas ou ativas na vida de alguem transforma os destinos e modifica ao redor... se alguem tropeçar ou mudar o rumo da vida, parece causar um efeito dominó-muita gente vai atrás...ou fica para trás. Nesse momento, me sinto uma catalisadora de transformações... passando por portais e mais portais e me assombrando com surpresas que eu nem sabia que ainda poderiam acontecer!!! Dor e surpresa - um pouco de dificuldade de me acostumar com mudanças - porém a descoberta de que não sou mais a mesma... ou a descoberta de que posso ser muito diferente do que sou - lírias possíveis!!! Um quarto diferente para líria, uma paisagem diferente para líria, uma nova posição para líria... ela deseja coreografar - vai compor a si mesma - vai improvisar uma nova realidade!!!!


DEFININDO MEU ESPAÇO


Em casa, em silêncio... final da tarde, à luz do computador, à meia luz do céu... sozinha paro às vezes de escrever e observo o entorno, essa luz é cinematográfica, não há como descrever essa sensação de olhar para minhas mãos  e ver refletida a luz de um pôr-do-sol no meu corpo – a morte da claridade da luz do dia. Ao longe, a vizinhança, sons que não sei de onde vêem, mesmo com a minha parcial surdez sei que eles estão em toda parte. É isso a sensação de paz? Poder estar onde se quer, fazendo o que se quer... Estou no bairro do Dois de Julho, um lugar histórico da cidade de Salvador, o prédio do Colégio à frente da minha varanda, no terceiro andar, é o casarão onde morreu Castro Alves – o grande poeta. Estou na sala de um apartamento, dos quatro gatos que tenho, um mia pedindo atenção... nessas horas do dia parece sempre haver uma pausa, uma melancolia de um dia que não quer dormir. Esse momento combina com café, mas é verão e está tão quente! Melhor deixar o frescor da noite chegar. Olho ao entorno e me pergunto porque tenho vontade de mover mudando de lugar? Está tão bom daqui, da cadeira do computador!! Do outro lado da rua vejo uma grande janela do vizinho, ops, alguém apareceu na janela... lá no fundo da casa do vizinho tem uma cozinha, lá longe... Posso imaginar que esse lugar que estou sentada agora se caso todas as paredes desse apartamento desaparecessem, daria para o mar – a Baia de todos os Santos... da minha varanda, inclino o pescoço à direita para ver o mar. Essa hora muita gente desce a ladeira onde fica meu prédio atrás do cachimbo do crack... contraditório, pois onde vejo o mar, é a direção para onde eles descem – os sacizeiros!!! Me pergunto se quero dançar agora, se quero acender a luz... nada!! Não sei, não tenho resposta, quero ficar de olhos abertos vendo a luz ir embora aos poucos, e a temperatura do ar na minha pele  se modificando – a despedida do sol. Deveríamos acender a luz elétrica em casa no limite, para ver esse entremeio de mudança entre a tarde e a noite – é tão poético!! Quer dizer, essas são as minhas impressões, afinal eu moro aqui, me sinto a vontade!!! Outra pessoa com certeza ficaria procurando uma luz pra acender nesse apartamento de formato antigo, pé direito alto, com um imenso corredor – para alguns, pode parecer fantasmagórico, sabe lá quantas pessoas já moraram aqui? Mas para mim, é familiar, pois aqui como, durmo, namoro, vou ao banheiro, volto – aqui está a idéia de “voltar pra casa”. Como é esse estado de voltar pra casa? Ah, como um relaxamento, uma expiração... Nossa, ta ficando escuro, tenho que fazer um esforço para enxergar as letras no teclado, mas vou resistir... é magnífico, lá na parede do vizinho ainda está claro... aqui dentro parece estar mais escuro... se não fosse o computador, estaria bem mais... Mas deixa eu me imaginar de fora, como se eu estivesse me vendo de lá da janela do vizinho... hum, uma moça que fica no computador no fundo da sala, provavelmente está entretida, pára de escrever às vezes, olha ao redor... mas não pára muito de escrever. O caminhão do lixo está passando fuuum que fedor!! Barulho do caminhão arggg insuportável esse cheiro, daqui do terceiro andar dá pra sentir... Hum, se eu fechar um pouco o computador e olhar o entorno da sala agora, está tudo da mesma cor, um tom escurecido, de lugares que só têm luz no entorno. E esse lixo não vai mais embora, meu Deus!?  Ai, cansei... Começaram a aparecer algumas sombras na parede agora... do lado contrario à varanda, as luzes da rua já estão acesas... Aí o céu vai ficando num azul...hoje tem nuvens, mas mesmo assim é muito bonita a cor! Um carro passou, fazendo sombra na parede do vizinho, olho pro chão de taco da minha sala e vejo refletida a imagem da porta da varanda... parece um lago brilhando. Hum, alguém da vizinhança está preparando sopa, hum, cheiro bom... Está ficando mais escuro... aí vai me dando uma saudade de sei lá o quê!!! A iluminação mexe com nossas lembranças... Como me movo nesse estado?  Agora sim, estou arriscando uns movimentos... para nada, brincando com a sombra, ajeitando a coluna que está para essa posição de escrita faz é tempo! Agora a sombra é feita por causa da luz do computador... ficaria bonita essa imagem... A vizinha apareceu na janela e me viu fazendo movimentos, ficou curiosa pra saber o quê é... rsrsrs deixa ela!!!  A janela fica longe, não dá pra ver muita coisa... Essa imagem deve ser bonita – à luz do computador... e se virasse uma máquina de escrever?  Acho que alguém chegou, chegou!!! Ah, vai acender a luz... será? É parece que foi alarme falso.... essa cadeira faz barulho!!! O computador fica piscando o tracinho mandando que escrevamos algo mais... porque ele pisca? E essa luz verde no centro do notebook?? A luz da câmera, será o sexto sentido do computador??? Ih, escureceu o céu por completo, o azul foi embora!! O vizinho acendeu a luz na casa dele... agora quando olho pra lá, aqui fica tudo preto, ainda mais que estou com os olhos cegos na luz do computador escrevendo. São agora exatamente quinze para as oito  da noite... no horário de verão, são quinze para as sete da noite no horário verdadeiro – engraçado isso horário verdadeiro!! Pronto, passou a sensação de mudança, é noite mesmo... aí perde um pouco a graça, fica constatativo!! O que estou esperando para acender a luz?? Espero alguém chegar... quero saber o que ele vai dizer ao me ver assim completamente submersa no escuro a escrever... será que seu primeiro impulso será acender a luz??? Vou olhar o e-mail e quando ele chegar, volto pra dizer como foi... Chegou agora... acendeu a luz!!

ESPAÇO E LEMBRANÇA

[...] estive a pensar na primeira casa onde morei – a casada minha querida avó. Lá, eu ficava na janela... pulava daquela construção que “na minha cabeça de criança” era muito grande, a janela era o meu lugar... e não sei muito porque, essa imagem de quem estava de dentro daquela casa de cimento batido – liso como um espelho – com poucos cômodos, com um pé de “folha de maravilha” e “cabelo embaraçado” na frente, e no quintal um pé de carambola gigante. Um tanque de cimento onde às vezes tomava banho com meus irmãos... uma casa pobre, mas que sempre tinha cheiro de peixe, que a minha avó gostava...uma casa que vendia geladinho... muitas pessoas da rua visitavam meus avós...quando chegava gente que eu não conhecia, me escondia debaixo da cama!! Eu não gostava de dormir cedo... e quando chegava madrugada adentro, minha mãe dizia “Pega ela aí besteira!” – então, eu imaginava uma mulher muito alta com os cabelos emaranhados que entrava pela porta da casa da minha avó para me assombrar... tinha medo... e até hoje quando lembro dessa assombração, ela sempre tem no fundo a imagem da porta da casa da minha avó... uma porta azul grande que tinha uma janelita no meio, na qual meu irmão colocava a cabeça e dava tchau às pessoas da rua. Essa casa ficava na ladeira e dava para os fundos do Parque da Cidade. Quando pequena, lembro de ir caminhando até o parque –muito verde, uma linda paisagem. Com o passar dos anos, as paredes de taipa dessa casa foram derrubadas e minha avó construiu novas paredes... a  janela mudou, a porta mudou, a ladeira fora ocupada por novas pessoas, o jardim foi tirado, o pé de carambola não suportou... minha avó já se fora... mas ela nunca quis sair dessa casa, após sua morte minha tia se mudou... não sei mais como está essa casa hoje... mas na minha lembrança ela só aparece do jeito que era quando eu era criança... a casa da minha avó é o meu canto de lembrança até hoje, é o meu refúgio de valores, é a lembrança da simplicidade, daquilo que apenas cheira bem e tem alegria... ou que é como o espelho velho do armário da minha avó, que parecia tão grande quando eu dançava diante dele... que não importava se tinha manchas... das costas do meu avô que pedia pra que coçássemos (eu e meus irmãos) suas costas – quanto mais coçávamos, mais histórias ouvíamos – uma pele larga, cheia de pintas que deixavam sujas as minhas unhas de criança. Hoje, as minhas costas coçam iguais às do meu avô...esse texto sai com lágrimas que escorrem... alegres por carregar essa lembrança de imagens tão vivas. A casa da minha avó... o quanto que ficou dela nessa mulher de hoje? Em tantas portas e janelas procuro retornar a essa infância que brincava na casa da minha querida avó... mas hoje, em busca de novas abertura se possibilidades, na arte de fazer arte – estripulias – como já dizia minha avó, que desde os meus três anos de idade, na sua língua de sábia bruxa anunciava –olha minha fia, esta menina vai ser dançarina!!

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